VISITA À ESCOLA DA PONTE
VISITA À ESCOLA DA PONTE

    10 DE MAIO 2010                                                                                       


PROFESSOR VISITA ESCOLA EM PORTUGAL*

*Este texto foi enviado ao Jornal Correio da Cidade e, dentro dos critérios do jornal, será editada uma matéria, na edição desta semana ainda.

 

O professor José Antônio que escreve para a coluna Correio Educação está em Portugal visitando a Escola da Ponte. Segundo o professor, trata-se de um sonho antigo que, depois de muito empenho, está conseguindo realizar, mesmo em meio a muitos compromissos deixados no Brasil, por um período de duas semanas e meia.

Considerações básicas

Não me recordo bem ao certo sobre de onde obtive as primeiras informações sobre a Ponte.. Sei, claramente, que pelo menos há três anos, eu mantinha e sustentava o desejo de visitar essa Escola. E cá estou, realizando antigo propósito.

A Escola da Ponte fica no Norte de Portugal, nomeadamente, na Vila das Aves, na região do Porto, muito próximo a cidade de Guimarães, onde se deu a origem de Portugal.

Seguem percepções pessoais imediatas sobre o que é  chamado por aqui, pelos professores e comunidade educativa, de o Projeto da Ponte. Certamente, até o final do período de minha permanência na Escola, poderei obter análise, senão precisa, pelo menos mais objetiva da realidade da qual estou participando, em Portugal.  

As ideias do educador francês Georges Snyders e Pestalozzi; Freinet e Kirkpatric; Paulo Freire e Moacir Gadotti; Bourdieu e Passeron; Antonio Nóvoa e Montesssori; e outros expoentes da educação e da pedagogia, estão de alguma forma presentes na Escola da Ponte.

Segundo a coordenadora, Ana Amoreira, não existe nenhuma filiação direta a nenhum princípio ou conceito específico de um desses teóricos. E que todo dia é um dia de pesquisa e de aprendizagem na Ponte. Mas, quem já leu e estudou os conceitos desses autores consegue perceber a vivência de conceitos muito aproximados aos desses teóricos, na rotina da Ponte.

Um pouco da rotina da Escola da Ponte

Nessa escola, as aulas começam às 8:30h e terminam às 16:00h. Portanto, a escola funciona em tempo integral. Todos os dias, menos às 4ªs feiras, os alunos têm um intervalo das 10:30h às 11:00h e o almoço das 12:30 às 14:00h.  Nesse espaço de tempo as crianças se ocupam com atividades muito variadas.

As crianças, cujos pais trabalham e não podem pegá-las no final do horário, ficam na escola, fazendo atividades suplementares tais como: aula de música, informática, inglês e matemática, até às 18 horas, durante todas os dias da semana, exceto às quartas-feiras.

Às quartas-feiras, as crianças fazem atividades diferenciadas, como visitação turística, desportos etc. E, na parte da tarde, ficam dispensados das aulas, pois os professores se reúnem por várias horas, para fazer discussões pedagógicas. Pense nisso, leitor! Uma parte da tarde, todas as semanas, para os professores avaliarem sua atuação pedagógica e os dispositivos didático-pedagógicos que estão utilizando para incentivar a promoção da aprendizagem autônoma dos estudantes.

Não há sirene para intervalos entre aulas, pois não há aulas formais. As crianças não precisam pedir para ir ao banheiro. Nem é perceptível o momento em que estão saindo para tomar uma água ou para ir ao banheiro.

Desde o primeiro dia em que as crianças chegam à escola, sejam iniciantes, sejam veteranas, elas definem seu plano de trabalho e assumem responsabilidades. Isso é confirmado pelos constantes registros que estou vendo as crianças fazerem em suas fichas que eles têm de controlar e que, posteriormente, são analisadas pelos educadores.

Assim que os estudantes chegam para a rotina de trabalho, eles elaboram o seu Plano do dia. Esse plano é uma forma de executar parte do que escolheram para seu Plano Quinzenal.

No período de quinze dias, os estudantes definem o que querem aprender, dentro do programa do Ministério da Educação. Mas isso é flexível, uma vez que é respeitado o foco de interesse de estudo da criança. Possivelmente, essa possibilidade se aproxima ao que John Dewey denominava de centro de interesses para pesquisar e estudar. Elas cumprem as tarefas, em vista de desenvolver competências. Se elas mobilizam conhecimentos, elas são consideradas competentes.

Em conversa com a coordenadora Ana Amoreira, ela informou que, por vezes, o Plano Quinzenal escolhido pela criança tem de ser orientado, de forma que os estudantes não fiquem  indefinidamente em uma tarefa específica de uma valência de estudo, sabendo que a escola faz parte de uma rede pública de ensino e precisa apresentar resultados de aprendizagem.  As crianças da iniciação são orientadas a escolher uma tarefa nova ou um tema são acompanhadas por um orientador.

 O que denominamos série, aqui, é chamado de vez. Assim, um estudante que está na 5ª série, está na 5ª. vez. O que seriam salas de aulas,  aqui são grandes espaços com vários dispositivos pedagógicos, como livros, revistas, computadores com acesso wireless à internet, mesas redondas para trabalhos em grupos, projetor e outros recursos multimídia; espaços para artes plásticas e instrumentos musicais como teclados, marimbas, violões etc. Os quadro com pincéis atômicos são utilizados, esporadicamente, para um e outro professor tirar dúvidas do grupo que necessitar. Os grupos de trabalho são estruturados no início do período letivo, pelos próprios estudantes. No decorrer do ano, os educadores, coletivamente, decidem pela remoção ou permanência de alguns no grupo já estruturado. É avaliado, neste caso, o maior ou menor desempenho na aprendizagem pessoal e colaborativa.

Às sextas-feira é realizada uma Assembleia, antecipada por uma atividade denominada Convocatória, onde é definida e discutida a pauta da Assembleia. Recentemente, participei de uma Convocatória feita pelos alunos do Aprofundamento (correspondente ao nosso Ensino Fundamental) e fiquei admirado de ver a maturidade dos estudantes para discutir temas, ainda que professores tivessem de, por vezes, questionar conversar paralelas.

Na minha primeira sexta-feira na Ponte, fotografei e filmei uma Assembleia, realizada por crianças e adolescentes. Um dos itens era o Dia das Crianças sob a perspectiva dos Direitos das Crianças. A mesa da responsabilidade (nome dado à equipe encarregada de preparar a pauta e fazer a apresentação do evento; composta por estudantes de várias idades) apresentou, em Power point, um Eco-Código, feito em grupos, cujos princípios, escritos pelos estudantes, foram votados, com  aspectos como cuidados com a energia; com a água e com a vegetação.

 

Dinâmica do trabalho dos estudantes

Gostaria de lembrar que a palavra aluno, na sua raiz etimológica, significa "aquele que não tem luz" que "depende da ideia e do saber e da luz do professor". Já a palavra estudante significa aquele que investiga, que pesquisa e que questiona. Aqui, na Escola da Ponte, encontrei mais estudantes do que alunos.

Optei nesses primeiros dias por ficar no espaço denominado Rubem Alves, homenagem feita ao educador, psicanalista, teólogo e escritor brasileiro. (INSERIR FOTO AQUI, SE FOR POSSÍVEL). 

Em um determinado momento, enquanto olho ao redor e digito, sinto que se fez um silêncio total. É tudo muito rápido. Basta alguém levantar a mão. Vejo dois alunos levantando a mão e dizendo que não há como continuar estudando, entre meio à conversa no salão. É verdade, por vezes, o volume de vozes aumenta, mas nada ensurdecedor como se ouve em algumas salas de aula no Brasil. Sem esperar, alguém interfere e pede para os presentes falarem mais baixo. É destacável a franqueza com que falam e a postura como ouvem as observações e críticas, quase sempre feitas publicamente.

O professor Felipe, em determinado momento, pede a palavra, sempre levantando a mão para falar. Chama a atenção de alguns que perdem muito tempo sem trabalhar. Ele questiona os 50 minutos já passados e a pouca produção que ele observou por parte de alguns. Quem quer que peça silêncio é ouvido: sejam crianças, sejam adultos, o pedido é, respeitosamente, atendido e, por algum tempo, cumprido. Até que se volte a precisar de mais intervenções. Sob o ponto de vista filosófico, parece que estão conseguindo resgatar por aqui o valor da palavra que tem sofrido um esvaziamento mundo afora; dado à sua banalização e superficialidade na sociedade do espetáculo. 

Há uma movimentação muito curiosa das crianças e adolescentes, de um espaço a outro; cuja lógica estou entendendo aos poucos. Para as crianças, mesmo os menores, a lógica está clara. Tudo indica que as locomoções estão relacionadas ao Plano de Trabalho do dia, que é definido, logo no começo da atividade por cada criança, dentro de seu Plano Quinzenal.

Em meio a um ir e vir de atividades, um professor aparece, procurando por alguns, para lhes entregar uma folha de atividades já corrigida, avaliada. Os professores não param um instante sequer, pois são solicitados por alguma criança ou adolescente, quando não conseguem uns ajudar e tirar as dúvidas dos outros.

Nesse momento, estou nesse espaço, e, em um canto, uma professora ouve e canta com duas crianças algumas músicas em inglês. Trata-se do Andre, que tem 10 anos e o ....... que tem 11 anos. É muito expressivo como, as crianças, cada um no momento que necessita e convém, levantam e consultam sua caixa pessoal, de onde retiram papéis para seus trabalhos. Uma dessas folhas é para a criança fazer seus comentários sobre o que estudou em seu Plano do Dia.

Como nosso olhar é seletivo, e enxerga só o que lhe interessa, pode ser que, ideologicamente, eu queira enxergar algo em que acreditei encontrar; ou que eu queira ver, para justificar meu empenho e esforço para uma viagem ultramarina de pelo menos 7840 Km que separam o Brasil de Portugal, pelo Oceano Atlântico. De qualquer, forma, por mais distorcido e interesseiro que seja meu olhar; e por mais que eu queira enxergar o que não existe, há alguma coisa aqui, sim, diferente do que estamos acostumados a ver na rotina da escola tradicional. E é alguma coisa sobre a qual vale a pena refletir, ainda que já esteja claro para mim que trata-se de um projeto em que os professores trabalham mais do que fazemos em nossas bem intencionadas (ou não) aulas teóricas, a que chamo de aulas expositivas, em que existe o saber do professor e o saber da escola e o professor se limita a transmiti-lo, enquanto os alunos acompanham o trabalho do professor de forma passiva, como se nada tivesse a ver com o que está sendo tratado.

Relacionamentos afetivo-pedagógicos

Vejo que algumas crianças têm muito cuidado e atenção com colegas com mobilidade reduzida, portanto, com necessidades especiais. Dá para se notar que há empenho pessoal por parte de algumas crianças de temperamento mais fleumático e empenho institucional para as crianças nessas condições serem incluídas e inseridas no contexto educacional.

Parece mesmo que criança é criança em qualquer cultura e em qualquer parte do mundo. Gostam de brincar e são acolhedoras. Nesses dias tenho conversado, brincado e contado alguma coisa sobre o Brasil para aquelas que se aproximam mais espontaneamente de mim. Hoje, (já no dia seguinte à minha presença na escola) no pátio, conversei com algumas que quiseram tirar fotos, pulando de um passeio ao chão. O desafio era eu fotografá-las, enquanto estivessem no ar.  

O que estou encontrando aqui são crianças como as nossas, resguardadas, é claro, as devidas diferenças culturais que não são tão contrastantes assim, em relação à cultura de nossas crianças, pelo menos no que se refere à capacidade de brincar.  Elas correm e gritam; falam segredos pelos cantos, mas com menos malícias que as nossas; empurram umas às outras e falam algum palavrão, conforme andei escutando. Algumas portam celulares; outras, aqueles óculos coloridos da moda. Mas, demonstram uma grande maturidade no seu modo de ser. São crianças sem ser infantilizadas, como costumamos ver algumas entre nós. A maior parte mostra grande capacidade de ouvir os adultos e de obedecer às ordens de retornar aos trabalhos. Evidentemente, que a construção da responsabilidade é algo trabalhado o tempo todo pelos educadores, conforme tenho testemunhado.

As crianças não ficam brincando, enquanto . Conversam de forma muito séria e franca com os professores. Estou agora em um espaço Rubem Alves,  onde estão 04 professores. Duas meninas pedem a palavra e põem em votação a partilha de uma ideia. O grupo põe-se a discutir a proposta, sem intervenção dos professores. Isso é notório.

Há uma relação de carinho dos professores com os alunos. Assim como dos alunos entre si; dos serviçais com as crianças e das crianças e adolescentes com os serviçais, como é possível atestar em várias fotos e filmagens que fiz, com a grande gentileza por parte da direção, coordenadora e estudantes. Isso também é notório. Outra coisa: Uns alunos não saem de sua mesa, para interferir nas atividades de outro colega, com brincadeira.

Há uma visível franqueza que faz os adultos se relacionarem com as crianças, cobrando-lhes atitudes; falando-lhes seriamente, sem infantilizá-los e ao mesmo tempo sem transformá-los adultos em miniatura. Todavia, as conversas são francas e as cobranças são feitas na hora, sem adiamento. As crianças têm direito de levantar a mão e opinar, reforçando o que está falado, ou discordando das observações feitas por colegas ou professores, ou serviçais. Impressiona  ver como as crianças e adolescentes, (os miúdos, como são chamados aqui), acatam a fala dos serviçais, quando qualquer um deles levanta a mão para dizer algo. Vale ressaltar este aspecto, pois não é comum assistir-se a essa cena, uma vez que nas instituições os serviçais, na cultura da exclusão, comumente vivem a invisibilidade social; não sendo notados como pessoas. E, na Escola da Ponte, toda a comunidade educativa está inserida mesmo no processo

Pena que meus olhos e meus ouvidos não consigam registrar tudo que estou vendo e ouvindo, e que minha percepção esteja atingindo bem menos do que eu gostaria.

 

 

 

 

 







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